Otimista com as perspectivas de demanda nos Estados Unidos, o presidente da mineradora americana Cliffs Natural Resources, Lourenço Gonçalves, aposta que o mercado transoceânico de minério de ferro vai oscilar ao humor da oferta das grandes concorrentes. Em entrevista ao Valor, o executivo – um brasileiro que comanda a empresa desde agosto de 2014 e mora há quase uma década nos EUA – culpou a Vale, Rio Tinto e BHP Billiton tanto pela derrocada do minério como por sua recente disparada neste ano.
Segundo Gonçalves, a estratégia de inundar o mercado com nova produção para garantir “market share” foi liderada pela Rio Tinto e seguida pelas outras do grupo chamado de “Big 3”. Isso levou, acrescentou o executivo, a uma perda de valor de aproximadamente US$ 300 bilhões, que culminou na troca de comando da anglo-australiana.
Com a nova presidência, a Rio Tinto decidiu priorizar valor sobre volume. Para o presidente da Cliffs Natural Resources, a disciplina de oferta que se seguiu, também encampada por Vale e BHP, foi o principal motivo para o repique nos preços do minério. Falta, agora, um posicionamento mais claro nesse sentido, disse, para prolongar o período de preços altos.
Gonçalves, que trabalhou por muito tempo na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), acredita que a Vale teria de deixar bem claro se o projeto S11D, o maior depósito de ferro já explorado pela companhia, será para reposição ou expansão de capacidade. As declarações da diretoria têm indicado que a produção da nova unidade será colocada de maneira cautelosa no mercado. Mas tanto analistas como executivos de empresas temem que a valorização da commodity mude a disposição da Vale.
Com o cenário atual, de maior disciplina na oferta e demanda ainda em alta, o executivo brasileiro não crê que o preço da matéria-prima volte a desabar. “Eu tenho esperança que esse nível mais próximo a US$ 80 é sustentável, mas o que dá para ter certeza é que não tem mais como voltar a US$ 40”, afirma Gonçalves.
Ontem, o minério de ferro terminou negociado a US$ 79,18 no porto chinês de Qingdao, segundo a “Metal Bulletin”. Em 2016, a alta já chega a 82%.
“A produção siderúrgica na China [principal compradora de minério do mundo] vai estabilizar em torno de 800 milhões de toneladas por ano. Deve ficar, na minha visão, nessa faixa por um longo tempo”, comenta Gonçalves. Assim, a oferta seria o principal fator positivo ou negativo, a depender do comportamento das mineradoras, para o preço.
“A Vale faz muito bem de trazer o S11D para o mercado, com maior qualidade média, mas não pode posicionar o projeto como nova mina, para aumentar capacidade”, opina. “Eu gostaria de ver uma clareza maior do Murilo Ferreira [presidente da Vale].”
A Cliffs é a maior fornecedora de minério de ferro às siderúrgicas dos EUA, na forma de pelotas. São cerca de 19 milhões de toneladas produzidas por ano, o que representa mais de 60% do mercado local. Na Austrália, a empresa ainda extrai 11,5 milhões de toneladas de minério com teor médio de ferro de 59,5%, que são destinadas principalmente para Japão e Coreia do Sul. O volume total é próximo ao produzido pela antiga empresa de Gonçalves, a CSN, na Congonhas Minérios. A receita líquida anual do grupo é da ordem de US$ 2 bilhões.
Em território americano, o grande ânimo que a mineradora pode receber vem na figura de Donald Trump. De acordo com o executivo brasileiro, se o presidente eleito cumprir o que prometeu em campanha, será “o melhor ano de nossas vidas”. Gonçalves disse que as siderúrgicas, principais clientes da Cliffs, estão muito animadas com o cenário. Para ele, se apenas uma parcela for cumprida, o viés já será positivo.
Além de o secretário de Comércio escolhido ter sido Wilbur Ross, fundador da antiga International Steel Group (ISG) – hoje parte da ArcelorMittal nos EUA -, Dan DiMicco, ex-presidente da Nucor, é chefe do escritório de transição de Trump.
“E o grande problema da siderurgia americana começou a ser resolvido em 2016, na figura de casos antidumping”, opinou o executivo. “Laminados a quente, a frio, galvanizados e chapas grossas, toda a competição desleal com esses produtos importados já começou a ser resolvida neste ano.”
Sobre a questão ambiental, o executivo duvida que Trump teria chance de mudar a regulamentação em um país que leva isso “tão a sério”, em suas palavras, como os EUA. No mundo todo, acrescentou, o meio ambiente será cada vez mais um fator importante para a siderurgia. Em sua opinião, o minério de ferro de baixa qualidade vem perdendo espaço no mercado transoceânico, até mesmo na China, hoje mais preocupada com a poluição.
Gonçalves aposta que isso elimina uma parcela da oferta internacional, especialmente a produção chinesa, que possui teores muito baixos. Para o executivo, grande indicativo dessa posição é o mercado chinês. O minério de maior teor que chega ao país é consumido quase imediatamente, enquanto o com menor concentração de ferro tem ficado nos estoques dos portos, como Tianjin e Qingdao.
“Aqui nos Estados Unidos isso é regra. Estou sentado em minha sala aqui na sede da Cliffs [em Cleveland, no Estado americano de Ohio], de frente para o alto-forno da ArcelorMittal”, contou, ao telefone. “Não vejo nem fumaça.”
Fonte: Valor Econômico

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